Cardiomiopatia Hipertrófica Associada ao Tromboembolismo Aórtico em Felino

Introdução

A  cardiomiopatia hipertrófica  (CMH)  é  considerada  uma  doença  primária,  sendo  a cardiomiopatia  mais  comum  em  felinos  e  podendo  ter  como  consequência  a  formação  de trombos  aórticos,  insuficiência  cardíaca  congestiva  e  até morte  súbita (CÔTÉ  et  al.,  2011). Os  trombos  normalmente  envolvem  o  coração  esquerdo  e  as  artérias  sistêmicas.  A  etiologia ainda é desconhecida (SOUZA, 2003). O objetivo deste trabalho é relatar o caso de CMH em um  felino  macho, adulto  com  sinais  clínicos  clássicos  e  diagnóstico  definitivo da  doença, o qual veio a óbito.

Material e Métodos

Foi atendido na Clínica Chatterie Saúde do Gato, um felino, macho, sem raça definida, 6  anos  de  idade,  castrado,  pesando  5,9kg.  A  proprietária  relatou  que  o  animal começou  a arrastar  os  membros  posteriores  e  também  apresentou episódios  de  vômito,  porém  já  havia sido tratado com cloridrato de ranitidina.

Foi  realizado  um  exame  clínico no  qual constatou-se  temperatura  retal  de  38,4°C,  as mucosas estavam normocoradas, não havia sinais de desidratação ou aumento de linfonodos, FC aferida por Doppler com 330 bpm (taquipnéico) e na auscultação percebeu-se presença de arritmia.  Os  membros  posteriores  estavam  cianóticos  e  hipotérmicos  e  também  apresentava paralisia  pélvica, dor,  ausência  de  pulso  femoral  e  dispnéia.  Imediatamente  o  felino  foi internado  e  recebeu  fluidoterapia  e  oxigênio  para  estabilização  do  quadro.  Foi  requisitado exames radiográficos e laboratoriais, como hemograma, bioquímica sérica (creatinina, GGT), e teste rápido para FiV/FeLV.

Resultados e discussões

No  resultado  do  raio-x  observou-se  ausência  de  lesões  vertebrais,  nos  membros posteriores  e  na  coluna.  O  hemograma,  assim  com  a  bioquímica  sérica,  estavam dentro  dos parâmetros  fisiológicos  para  a  espécie,  mas  o teste  para  FiV/FeLV  resultou  positivo  para FeLV. No ecodopplercardiograma constatou-se endocardiose de mitral com aumento do átrio esquerdo  com  insuficiência  da  válvula  mitral  e  cardiomiopatia  hipertrófica  com  aumento concêntrico do  ventrículo  esquerdo,  além  de  FC  taquicardia  e arritmias. Para  NELSON  & COUTO,  2010,  o  aumento  do  volume  do  átrio  esquerdo  auxilia  na  formação  dos  trombos, assim  como  as  doenças  inflamatórias  e  neoplasias  também predispõem para  a  formação desses êmbolos.
Baseado nos exames, físico e de diagnóstico por imagem, concluiu-se que havia uma grande possibilidade de ser um caso de tromboembolismo.

Segundo NEVES, 2013 existem três requisitos para que ocorra a trombogênese dentro da tríade de Virshow, estase   venosa   (diminuição   do   fluxo   venoso),   lesão   endotelial (proporcionando diretamente a formação de trombos), hipercoagulabilidade (sangue fica mais suscetível à formação de coágulos). Para NELSON & COUTO, 2010, o aumento do volume do  átrio  esquerdo  auxilia  na  formação  dos  trombos,  assim  como  as  doenças  inflamatórias  e neoplasias também predispõem para a formação desses êmbolos.

O  local  mais  comum  para  a  formação  dos  coágulos  é  a  trifurcação  da  aorta,  porém podem  se  alojar  nas  artérias  ilíaca,  femoral,  renal  braquial. A  presença  do  trombo leva  à ativação  de  agentes  vasoativos  liberados  pelas  plaquetas  que  fazem  vasoconstrição  local  e regional  afetando  a  circulação  colateral  e  gerando  um  processo  inflamatório  e  isquêmico gradativo  reduzindo  o  fluxo  de  sangue  para  segmentos  terminais,  que  resultam numa neuromiopatia  isquêmica  levando  à  degeneração  e  disfunção  para  o  tecido  muscular  que  foi afetado  ocasionando  uma  série  de  sinais  clínicos  como  anormalidades  físicas,  incluindo paralisia  dos  membros  posteriores, pulsações  ausentes,  cianose  dos  coxins  e  frieza  da  pele (NELSON  &  COUTO,  2010;  NORSWORTHY,  2011;  SOUZA  2003). Sendo  assim,  foi direcionado  ao  animal  um  tratamento  específico  para  este  diagnóstico  com  fluidoterapia 295ml – 4 gotas/minuto, sulfato de morfina 0,1mg/kg SC, alteplase 0,5mg/kg/hora em 3 doses, atenolol  6,25mg/gato  BID  por  VO,  cloridrato  de  ranitidina  0,1mg/kg  SC  BID  por  7  dias, cloridrato  de  ondasetrona  0,1mg/kg  SC  BID  por  7  dias,  cloridrato  de  tramadol  1mg/kg  SC TID  por  4 dias.  Após  15  horas  da  administração  de  alteplase,  foi  administrado  esmolol 0,5mg/kg IV fracionado a dose total em 6 e aplicando de 10 em 10 minutos no primeiro dia e no segundo dia aplicação da dose cheia IV lento.

No dia seguinte ao começo do tratamento, o animal apresentou significativa melhora, estando mais disposto, alerta e mostrando maior segurança ao caminhar e força nos membros pélvicos,   ainda   que   os   movimentos   não   tivessem   voltado completamente (sem   sinal nociceptivo  no  membro  posterior  direito). O  paciente  foi  mantido   em  observação,  se encontrando estável e com uma progressiva melhora.

Após seis dias do inicio do tratamento, foi administrado bissulfato de clopidogrel 3mg/kg SID e repetido a mesma dose após 72 horas para evitar a formação de novos trombos.

O  animal  ficou  internado  com  tratamento  e  observação  por  15  dias.  Com  todo  o tratamento  sendo  realizado,  o  felino  recuperou  a  coordenação  dos  movimentos  pélvicos, estava  com  os  parâmetros  respiratórios  estáveis,  se alimentando  bem  e  bastante  ativo. Recebeu  alta  com  a  prescrição  de  atenolol  BID  na  dose  de  12,5mg/gato  por  VO  e  também com  o  bissulfato  de  clopidogrel  3mg/kg  a  cada  72  horas  e  cloridrato  de  ranitidina  0,1mg/kg VO, BID. Após três dias o animal retornou a clínica com paralisia dos membros torácicos  e pélvicos,  com  membros  cianóticos  e  hipotérmicos  e  dispnéia  acentuada.  Foi  colocado  na fluidoterapia,   aquecido,   administrado   cloridrato de   diltiazem   45mg/gato   SID   por   VO, trometamol  cetorolaco  1mg/kg  TID  por  via  SC  e  foi  administrado  novamente  alteplase 0,5mg/kg/hora  em  3  doses  por  via  IV.  Foi  drenado  do  tórax  do  animal  120  ml  de  líquido amarelado e translúcido do lado direito e 50 ml do lado esquerdo, porém o desconforto e a dor continuaram. O líquido foi coletado e mandado para análise de citopatológico, o qual sugeriu transudato cardíaco modificado. É unanimidade entre os principais autores que o cuidado com o  manejo  desse  paciente  é  fundamental,  pois  devido  à  frequência  cardíaca  aumentada  e  as arritmias o risco de morte é iminente (TILLEY & SMITH JR., 2003).

No  dia  seguinte  o  paciente  não  resistiu  e  veio  a  óbito,  o  qual  foi  encaminhado  para necropsia,   que   confirmou   o   diagnóstico   de   cardiomiopatia   hipertrófica   pelo   aumento concêntrico   do   miocárdio   e   fibrose endocárdica   na   válvula   atrioventricular   esquerda multifocal  e  moderada,  indicando  lesões  em  jato,  presença  de  ulcerações  na  língua  com presença de trombose multifocal, no pulmão havia sinais de pneumonia aspirativa e líquido no tórax.  Nos  rins  foram  encontrados  trombos  multifocais e  no  encéfalo  havia  degeneração vacuolar da substancia branca, indicando status spongiosus. Não foram encontrados trombos na trifurcação da artéria aorta. O  prognóstico  da CMH é  reservado  e  devem-se  excluir  outras  causas  de  hipertrofia ventricular  esquerda,  como  hipertensão  sistêmica,  hipertireoidismo,  acromegalia,  anemia crônica e estenose subaórtica congênita (rara em gatos) (DUNN, 2001).

Conclusão

Muitos fatores podem levar ao aparecimento de CMH, inclusive o genético, o que faz a  anamnese  essencial  durante  o  exame. O  prognóstico da CMH  com  o  desenvolvimento  de tromboembolismo   é   desfavorável,   mas   em   raros   casos,  pode-se   controlar   o   paciente, monitorando  e  acompanhando  com  a  terapêutica  necessária,  cuidados  de  enfermagem  e exames de imagem, para que o animal possa ter uma sobrevida mais digna.

 

Referencias bibliográficas

CÔTÉ,  Etienne;  MACDONALD,  Kristin  A.;  MEURS,  Kathryn  M.;  SLEEPER,  Meg  M. Feline Cardiology. John Wiley & Sons, Inc. 2011.
DUNN, J. K. Tratado de Medicina de Pequenos Animais. São Paulo: Roca, 2001.
NETO,  M.  L.;  PASCOAL,  L.  A.  D.  B.;  BALIEIRO,  J.  C.  C.;  LARSSON,  M.  H.  M.  A.;
BOMBONATO, P. P.; BENEDICTO, H. G.; ELTON, L. B. O carvedilol no tecido conjuntivo cardíaco  de  ratos  durante  o  desenvolvimento  da  hipertrofia  miocárdica  concêntrica. Ciência Rural,v. 36, n. 4,Santa Maria, Jul/Ago, 2006.
NELSON,  Richard  W.;  COUTO,  C.  Guilhermo. Medicina  interna  de  Pequenos  Animais.  4ª ed. Elsevier: Rio de Janeiro/RJ, 2010.
NEVES,   H.   C.   Trombose   Venosa   Profunda   (TVP).   Varizes.com.   Disponível   em: http://www.varizes.com/doencas-vasculares/75/trombose-venosa-profunda-tvp Acesso em: 8 jun. 2013.
NORSWORTHY,  Gary  D.  The  Feline  Patient. 4th  ed. Blackwell  Publishing  Ltd. -Rio  de Janeiro: L. F. Livros de Veterinária 2011.
SOUZA,  Heloísa  J.  M.  de.  Coletâneas  em  medicina  e  cirurgia  felina.  Rio  de  Janeiro:  L.  F. Livros de veterinária, 2003.
TILLEY,  Larry  P.;  SMITH,  Francis  W.  K.  Consulta  Veterinária  em  5  Minutos – espécies canina e felina. 2ª ed. Barueri/SP: Manole Ltda, 2003.

 

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